quarta-feira, 11 de fevereiro de 2015

NAO ME TOQUE


Miroaldo era um rapaz um tanto estressado. Gaúcho, com muitos problemas de socialização e com obsessão por limpeza. Também sofria de transtorno obsessivo, compulsivo e não permitia que as pessoas o tocassem. Adorava roupas claras, seu sapato combinava sempre com o cinto e com a carteira que estivesse usando no dia.
Miroaldo tinha um cagado que havia ganho de sua mãe no seu aniversário de 15 anos. Um dia, ao vê-lo morrer engasgado com o feixe da lata de atum, sofreu uma crise nervosa no trabalho, e tentou furar o tímpano do seu chefe com um cotonete. O pobre gaúcho foi obrigado a tirar umas férias.
Que lugar melhor que a Bahia para descansar?
No aeroporto, Miroaldo decidiu comprar um dicionário baianes, onde aprendeu que torcendo os lábios, pronunciando a palavra O - XEN - TE em leve tom de deboche e cruzando os braços conseguiria se comunicar com qualquer local. 

No avião, havia uma senhora negra, de 1,34 de altura e uns 83 anos. Ela estava completamente vestida de branco com alguns colares azuis e um turbante na cabeça. Ela tinha os olhos fechados e parecia estar dormindo. Pobre senhorinha gentil de ar angelical.
A cadeira de Guilherme era ao seu lado.
- Ah a paz da Bahia! Já posso senti-la mesmo daqui do avião.
Ao adormecer nosso sereno gaúcho é acordado por uma bela chicoteada de um maço de ervas em suas costas. Em seguida uma jarra de alfazema barata é derramada em sua cabeça e chuvas de pipocas caiam por todos os lados.
-O que? A senhora está me benzendo? Obrigado! Mas por favor, não precisamos tacar coisas nas pessoas para dizer a elas que são bem vindas.

Aeroporto de Salvador.

Cheguei. Está meio quente aqui. Que batuque é este? Porque todos dançam? Quero ir para o hotel e descansar.
-Não obrigado eu não quero comprar uma fita do senhor do Bomfim. A senhora poderia tirar este colar de havaiano do meu pescoço? De onde eu venho as pessoas não se tocam... O que? Abraço? Não por favor eu sou meio alérgico a tudo isto. Será que aqui vocês não sabem se falar sem encostar um no outro??
-Sim eu quero comer uma iguaria baiana. ACARA o que? ...
A cara não é lá muito bonita mas deve ser bom e refrescante.
- Oi? Se eu quero quente ou frio? Quente por favor.
 Não sinto meus lábios. Acho que minha língua esta adormecida.
-Gostaria de dizer para a senhora que a minha garganta pulsa e tem viva própria. O que? Fui eu quem pedi quente?  Toma aqui o dinheiro. Não.  Não me toque por favor! Ok eu já entendi. Sei que sou bem vindo. A senhora sabe onde encontro um taxi? Oi? Seu compadre tem uma Van? Que gentil de sua parte. Onde posso encontra-lo? Que povo acolhedor.
- O senhor acha que cabe mais alguém ai? Eu tenho a impressão de que se alguém espirrar o seu automóvel desmonta meu senhor. Isto é Legal aqui? Deixar de frescura? Não, não me empurra por favor. Eu não gostaria de entrar ai. Vocês estão tocando. Isto é seu braço? Que parte é esta? Não precisa responder. Prefiro não saber. O senhor poderia parar de cutucar as suas unhas? Não obrigado não quero paçoca. Sua tia que fez? Tem pimenta? Sim por favor eu adoraria. Ei senhor. Já tem alguns minutos que mastigo este doce e ele não dissolve isto é normal? Se eu quero agua? Sim, claro. Quanto? 10 reais? Isto é um roubo! Assalto? O senhor tem uma arma e isto não é muito gentil.
Vou saltar aqui. Povo estranho.
- Não obrigado não quero dançar. Na pipoca? Não, já me jogaram pipoca no avião e não foi legal. Ei, não me toque. Só preciso chegar ao hotel. Tenho que esperar o trio passar? Quanto tempo isto leva? Porque vocês dançam uma música que repete a mesma frase 200 vezes? Churrasquinho de que?  Não obrigado. O senhor já transgrediu umas 278 regras da vigilância sanitária fazendo este espeto. Uma selfie comigo? Sim que simpático? O senhor poderia me devolver meu celular depois? Senhor? Deve ter ido ao toilete. Depois vou nos achados e perdidos.
Enquanto esperava o trio, fui levado por um cento de pessoas estranhas com os braços para cima, como se cultuassem um Deus.
-Chiclete com o que? Arrastão? O que é isso? Extravasa, libera e joga tudo pro ar?
Preciso sair daqui....

E assim Miroaldo foi curado, do seu TOC e nunca mais se ouviu falar dele nos pampas. Dizem que ele virou Hippie, usa chinelos, dança axé e fala oxente a toda hora.

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